03 outubro 2024

As lágrimas de Cunhaú

 Hoje, 3 de outubro, temos um feriado em referência a beatificação de pessoas da religião romanistas, estas morreram num ataque indígena em  Cunhau e Uruaçu no século 17. Existem alguns grupos que, de má fé,  defendem a história de que um pastor reformado calvinista a mando do governo holandês, realizou esse ataque. Como reformados calvinistas no Rio Grande do Norte que somos, temos como responsabilidade manter a honra dos irmãos do passado. É nossa responsabilidade contar a história como de fato ocorreu, sem paixões ou preferências. 

O pesquisador e pastor Francisco Leonardo, especialista em história holandesa, teve acesso a textos originais e oficiais que se encontram nos registros históricos do Governo Holandês. Com base em registros históricos, ele levanta três pontos que afastam a teoria de que um pastor reformado foi algoz em Cunhau e Uruaçu. 

1. Em primeiro lugar, cumpre observar que não foi o governo holandês que ordenou a chacina. O que ocorreu foi uma vingança por parte dos indígenas em reação às notícias que corriam sobre as crueldades dos portugueses, ajudados por uma tribo selvagem da Bahia. Desde o início da revolta (13-06-1645), cada vez ficava mais claro que, onde quer que os portugueses restabeleciam seu poder, uma morte terrível esperava seus adversários, especialmente os índios.Conseqüentemente, os “brasilianos” (como eram chamados os índios tupis) refugiaram-se nas proximidades das fortificações holandesas, consideradas inexpugnáveis. Outros decidiram evitar o desastre aparentemente inevitável e pegaram em armas. Foi isto que aconteceu no Rio Grande do Norte, em Cunhaú. No Rio Grande, a população indígena consistia em grande parte de índios antropófagos (tapuias), sob a liderança do seu cacique Nhanduí. Para os holandeses, os tapuias significavam um bando de aliados um tanto inconstantes, pois eram um povo muito independente, que não aceitava ordens de ninguém, mas decidia por si o que era melhor para sua tribo. Um tal de Jacob Rabe, casado com uma índia e muito amigo da tribo, servia como ligação entre eles e o governo holandês.Entre os indígenas do extremo Nordeste em geral existia um grande ódio contra os portugueses, sem dúvida pela lembrança dos acontecimentos anteriores à chegada dos holandeses, que eram considerados como os libertadores da opressão lusa. E por várias vezes esses índios quiseram aproveitar-se da situação de derrota dos lusos, para vingar-se deles. Assim, em 1637, depois de Maurício de Nassau conquistar o Ceará, os índios procuraram matar todos os portugueses da região, que foram protegidos pelos holandeses por meio das armas. A mesma coisa aconteceu no Rio Grande do Norte, em 1645. Os tapuias sentiram que, com o início da revolta contra os holandeses, havia chegado a hora da verdade: eram eles ou os portugueses. No dia 15 de julho, começaram por Cunhaú, massacrando as pessoas que estavam na capela e posteriormente, numa luta armada, os restantes.

2. Em segundo lugar, de fato o nome de um pastor protestante está ligado a esse episódio. Porém, de modo exatamente contrário daquele que se supõe, porquanto não foi ele quem orientou a chacina, antes foi enviado pelo governo para refrear a selvageria dos silvícolas. Quando, no dia 25 de julho, o governo holandês no Recife soube dos terríveis acontecimentos do Rio Grande do Norte, despachou o Rev. Jodocus à Stetten, pastor da Igreja Cristã Reformada e capelão do exército, com o capitão Willem Lamberts e sua tropa armada “para refrear os tapuias e trazê-los para (o Recife), a fim de poupar o país e os moradores (portugueses)”. Os índios, porém, ficaram enfurecidos com os holandeses, não entendendo como estes podiam defender seus inimigos mortais, e até romperam a frágil aliança com os batavos. Antes de regressar para o sertão do Rio Grande, fizeram ainda outra incursão vingadora contra os portugueses, desta vez na Paraíba.

3. Em terceiro lugar, é importante lembrar o fim dos tapuias e de Jacob Rabe. Alguns meses depois do massacre, esse funcionário da Companhia das Índias Ocidentais, que havia recebido o mensageiro governamental, pastor Jodocus, de pistola em punho, foi morto por ordem do próprio governador da capitania do Rio Grande do Norte, Joris Garstman. O capitão Joris era casado com uma senhora portuguesa que havia perdido muitos parentes em Cunhaú. Quanto aos tapuias, após a expulsão dos holandeses e a restauração do domínio português, aqueles que não quiseram submeter-se à orientação político-religiosa de Lisboa foram massacrados, como diz o Dr. Tarcísio Medeiros, na “mais sangrenta guerra de extermínio que existiu neste Brasil”.

Conclusão

Esses três fatos complementares não diminuem em nada o sofrimento dessas vidas inocentes esmagadas pelos rolos compressores de uma luta armada. Porém, talvez possam eliminar em parte o veneno da história, por nos permitirem entender melhor o contexto daqueles dias cheios de angústia para ambos os lados. Escrever história objetivamente é muito difícil, mais ainda quando se trata de um caso controvertido como este, com muitos pormenores desconhecidos. Mas afirmar, como foi feito por certos porta-vozes, que as barbaridades de Cunhaú foram perpetradas a mando do próprio governo holandês, e ainda por cima orientadas por um pastor evangélico, simplesmente não corresponde à verdade. Convém distinguir os fatos e a interpretação dos fatos. O que não atenua, antes aumenta a nossa ansiosa expectativa do dia em que o Senhor enxugará todas as lágrimas, inclusive as de Cunhaú (Ap 7.17).


Rev. Francisco Leonardo Schalkwijk

(Adaptação Rev. Italo Reis)

Vote com consciência cristã

O nosso país realizará eleições municipais no próximo domingo. Você poderá exercer um dos seus deveres cívicos escolhendo em quais candidatos votar. Cada pessoa tem a liberdade, de acordo com as suas convicções, de escolher em quem votar. Somos cristãos presbiterianos e, por isso, observamos alguns princípios bíblicos, de modo que a nossa consciência e o nosso testemunho público glorifiquem a Deus. Permita-me apresentar alguns princípios históricos que seguimos, enquanto presbiterianos.

Cremos que há uma relação de equidistância entre Igreja e Estado, onde cada esfera tem a sua autonomia, embora haja alguma interação e, ao mesmo tempo, não interferência direta de uma esfera na outra. A Igreja nunca é um serviço do Estado, nem dependente do poder civil para a sua existência ou atuação. Entretanto, a Igreja tem “a voz profética”, segundo a Escritura, para denunciar, reclamar e declarar a vontade de Deus sobre todas as ações sociais ou falhas do Estado. A cosmovisão bíblica nos leva a entender as prerrogativas, deveres e limites de cada esfera, e que todas as esferas estão debaixo da autoridade de Cristo!

Oramos pelos governantes em todos os três poderes.  Isso não significa que endossamos todas as suas motivações, ideologias ou as ações deles. Obviamente reprovamos a corrupção e desvios de verba pública, rejeitamos ideologias anticristãs ou o favorecimento ilícito e imoral de qualquer grupo. Cremos que o governo civil tem como prioridade promover a boa ordem social, a justiça comum e a segurança pública.

Temos o compromisso da obediência civil. Isso não significa que concordemos com tudo o que o governo, quer municipal, estadual ou federal faça. Enquanto o governo civil agir de acordo com os preceitos bíblicos, somos devedores de obediência; todavia, somos chamados à desobediência civil se em algum momento uma autoridade pública nos impedir de obedecer a Deus, pois, “antes, importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5.29).  O nosso compromisso com o ensino da Escritura Sagrada exige que nos posicionemos contra ideias, práticas e, até mesmo, contra políticos que sejam inimigos do evangelho e da Igreja de Cristo.

O presbiterianismo nunca foi apolítico. Isso não significa que abraçamos a política com uma bandeira partidária ou que cedamos nossos púlpitos à candidatos ou a políticos em exercício de mandato. Rejeitamos essa postura eleitoreira de algumas denominações e líderes eclesiásticos. Defendemos ideias que promovam a liberdade, a propriedade privada, a família, valores morais cristãos, boa ordem social etc.; assim, temos, exercemos e expressamos opiniões políticas que sejam coerentes com nossas doutrinas cristãs. Igualmente, rejeitamos ideias e agendas políticas que vão contra a fé cristã.

Somos chamados a exercer a liberdade de consciência. A nossa consciência e a nossa liberdade são submissas à princípios cristãos. A Confissão de Fé de Westminster declara que

Aqueles que, sob o pretexto de liberdade cristã, cometem qualquer pecado ou toleram qualquer concupiscência, destroem, por isso mesmo, o propósito da liberdade cristã; pelo contrário, sendo livres das mãos de nossos inimigos, sem medo sirvamos ao Senhor em santidade e justiça, diante dele, todos os dias de nossa vida. [CFW 20.3].

 Não impomos um nome ou partido em quem você deve votar. Além de ser criminoso é algo imoral, mas precisamos lembrá-lo do seu compromisso de exercer a cidadania com consistência cristã e fidelidade ao ensino bíblico. Por exemplo, é incoerente orar pela vida e apoiar políticos que seguem uma agenda abortista, orar pela segurança dos nossos filhos e votar em candidatos que, abertamente, defendem a ideologia de gênero, o exercício imoral da sexualidade ou propostas políticas danosas para a família. Se somos cristãos por convicção, igualmente, sejamos em nossa consciência política e em nosso voto. Não se esqueça que “quando os justos se engrandecem, o povo se alegra, mas quando o ímpio domina, o povo geme (Pv 29.2).

02 outubro 2024

A bula Inter Caetera [4 de maio de 1493]

O contexto histórico[1]

 A descoberta de Cristovam Colombo, em 1492, de terras supostamente asiáticas nos mares ocidentais ameaçou as relações instáveis ​​entre os reinos de Portugal e Castela, que vinham disputando posição e posse de territórios coloniais ao longo da costa africana por muitos anos. O rei de Portugal afirmou que a descoberta estava dentro dos limites estabelecidos nas bulas papais de 1455, 1456 e 1479. O rei e a rainha de Castela contestaram isso e buscaram uma nova bula papal sobre o assunto.

O papa Alexandre VI, natural de Valência e amigo do rei castelhano, respondeu com três bulas, datadas de 3 e 4 de maio, que eram altamente favoráveis ​​a Castela. Embora bulas posteriores tenham sido emitidas sobre o assunto da rivalidade colonial portuguesa e espanhola, a bula Inter caetera tornou-se um documento importante no desenvolvimento de doutrinas legais subsequentes sobre reivindicações de império no “novo mundo”. A bula atribuiu a Castela o direito exclusivo de adquirir território, negociar ou mesmo se aproximar das terras situadas a oeste do meridiano situado cem léguas a oeste das Ilhas dos Açores e Cabo Verde. No entanto, uma exceção foi feita para quaisquer terras realmente possuídas por qualquer outro príncipe cristão além deste meridiano antes do Natal de 1492. A bula Inter caetera resultaria no Tratado de Tordesilhas, editado em 1494.

 

O texto

 Alexandre, bispo, servo dos servos de Deus, aos ilustres soberanos, nosso muito querido filho em Cristo, Fernando, rei, e nossa mui querida filha em Cristo, Isabel, rainha de Castela, Leon, Aragão, Sicília e Granada, saúde e bênção apostólica. Entre outras obras bem agradáveis ​​à divina majestade e estimadas de nosso coração, esta seguramente ocupa o lugar mais alto, que em nossos tempos, especialmente, a fé católica e a religião cristã sejam exaltadas e sejam em todos os lugares aumentadas e divulgadas, que a saúde das almas seja cuidada e que as nações bárbaras sejam dominadas e trazidas à própria fé. Portanto, visto que, pelo favor da clemência divina, nós, embora com méritos insuficientes, fomos chamados a esta santa Sé de Pedro, reconhecendo que, como verdadeiros reis e príncipes católicos, como sempre soubemos que vocês são, e como seus ilustres feitos já conhecidos por quase todo o mundo declaram, vocês não apenas desejam ansiosamente, mas com todo esforço, zelo e diligência, sem levar em conta dificuldades, despesas, perigos, com o derramamento até mesmo de seu sangue, estão trabalhando para esse fim; reconhecendo também que vocês há muito dedicaram a esse propósito toda a sua alma e todos os seus esforços — como testemunhado nestes tempos com tanta glória ao Nome Divino na recuperação do reino de Granada do jugo dos sarracenos —, portanto, somos corretamente levados e consideramos nosso dever conceder-lhes, de nossa própria vontade e em seu favor, aquelas coisas pelas quais, com esforço cada dia mais intenso, vocês sejam habilitados para a honra do próprio Deus e a propagação da regra cristã, a levar adiante seu santo e louvável propósito, tão agradável ao Deus imortal.

Somos cientes, de fato, que vocês, durante muito tempo têm a intenção de procurar e descobrir certas ilhas e continentes remotos e desconhecidos e até então não descobertos por outros, com o fim de levar ao culto de nosso Redentor e à profissão da fé católica seus moradores e habitantes, tendo estado até o momento muito empenhados no cerco e recuperação do próprio reino de Granada, não puderam realizar este santo e louvável propósito; mas, tendo o referido reino finalmente sido reconquistado, como era do agrado do Senhor, vocês, com o desejo de realizar seu desejo, escolheram nosso amado filho, Cristovam Colombo, homem seguramente digno e das mais altas recomendações e apto para tão grande empreendimento, a quem forneceram navios e homens equipados para semelhantes projetos, não sem as maiores dificuldades, perigos e despesas, para fazer diligente busca por estes continentes e ilhas remotos e desconhecidos através do mar, onde até então ninguém havia navegado; e, finalmente, com ajuda divina e com a máxima diligência navegando no mar oceano, descobriram certas ilhas mui remotas e até mesmo continentes que até então não tinham sido descobertos por outros; onde moram muitos povos vivendo em paz e, como relatado, andando sem roupa e não comendo carne. Além disso, como seus enviados supracitados são da opinião, esses mesmos povos que vivem nessas referidas ilhas e países creem em um Deus, o Criador no céu, e parecem suficientemente dispostos a abraçar a fé católica e ser treinados nos bons costumes. Então, espera-se que, se eles forem instruídos, o nome do Salvador, nosso Senhor Jesus Cristo, será facilmente introduzido nos referidos países e ilhas. Além disso, em uma das principais dessas ilhas supracitadas, o dito Cristovam já fez com que fosse montada e construída uma fortaleza bastante equipada, onde ele instalou como guarnição certos cristãos, companheiros seus, que devem fazer buscas por outras ilhas e continentes remotos e desconhecidos.

Nas ilhas e países que foram descobertos são encontrados ouro, especiarias e muitas outras coisas preciosas de diversos tipos e qualidades. Portanto, como convém a reis e príncipes católicos, após consideração séria de todos os assuntos, especialmente da ascensão e disseminação da fé católica, como era o costume de seus ancestrais, reis de memória renomada, vocês se propuseram com o favor da clemência divina a conduzir sob seu domínio os referidos continentes e ilhas com seus residentes e habitantes e trazê-los à fé católica. Portanto, recomendando de coração no Senhor este seu santo e louvável propósito, e desejosos de que isso seja devidamente cumprido, e que o nome do nosso Salvador seja levado a essas regiões, nós os exortamos e, muito sinceramente no Senhor, pela sua recepção do santo batismo, pelo qual vocês estão vinculados aos nossos mandamentos apostólicos, e pelas entranhas das misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, ordenamos estritamente que, na medida em que com zelo ansioso pela verdadeira fé, vocês planejem equipar e despachar esta expedição, também proponham-se, como é seu dever, a liderar os povos que vivem nessas ilhas e países a receber a religião cristã; de modo que, em nenhum momento deixem que perigos ou dificuldades os impeçam desse propósito, com a firme esperança e confiança em seus corações de que Deus Todo-Poderoso promoverá seus empreendimentos.

E, para que entrem em tão grande empreendimento com maior prontidão e cordialidade, dotados do benefício do nosso favor apostólico, nós, por nossa própria vontade, não por causa de sua solicitação nem a pedido de qualquer outra pessoa a seu respeito, mas por nossa própria e única generosidade e conhecimento certo e da plenitude do nosso poder apostólico, pela autoridade de Deus Todo-Poderoso conferida a nós no bem-aventurado Pedro e pelo vigário de Jesus Cristo, que mantemos na terra, fazemos pelo teor destes presentes, caso alguma das referidas ilhas tenha sido encontrada por algum dos seus enviados e capitães, damos, concedemos e atribuímos a vocês e aos seus herdeiros e sucessores, reis de Castela e Leon, para sempre, juntamente com todos os seus domínios, cidades, acampamentos, lugares e aldeias, e todos os direitos, jurisdições e pertences, todas as ilhas e continentes encontrados e a serem encontrados, descobertos e a serem descobertos em direção ao oeste e ao sul, traçando e estabelecendo uma linha do polo Ártico, ou seja, o norte, ao polo Antártico, ou seja, o sul, não importa quer as ditas terras e ilhas se encontrem ou sejam encontradas na direção da Índia ou em direção a qualquer outro quadrante, estando a dita linha distante cem léguas para oeste e sul de qualquer uma das ilhas comumente conhecidas como Açores e Cabo Verde. No entanto, com esta condição de que nenhuma das ilhas e continentes, encontrados e a serem encontrados, descobertos e a serem descobertos, além daquela dita linha em direção ao oeste e ao sul, esteja na posse real de qualquer rei ou príncipe cristão até o aniversário de nosso Senhor Jesus Cristo, logo após o começo do qual o presente ano de mil quatrocentos e noventa e três.

E nós fazemos, nomeamos e delegamos você e seus referidos herdeiros e seus sucessores como senhores com pleno e livre poder, autoridade e jurisdição de todo tipo; com esta condição, no entanto, de que por esta nossa doação, concessão e cessão nenhum direito adquirido por qualquer príncipe cristão, que esteja na posse real das ditas ilhas e continentes antes do dito aniversário de nosso Senhor Jesus Cristo, deve ser entendido como retirado ou tirado. Além disso, ordenamos a vocês, em virtude da santa obediência, que, empregando toda a devida diligência nas instalações, como vocês também prometeram — e não duvidamos de sua concordância acerca disso, de acordo com sua lealdade e grandeza real de espírito — vocês devem nomear para os mencionados continentes e ilhas homens dignos, tementes a Deus, cultos, habilidosos e experientes, a fim de instruir os mencionados habitantes e residentes na fé católica e treiná-los nos bons costumes. Além disso, sob pena de excomunhão tardia a ser incorrida ipso facto, caso alguém assim infrinja, proibimos estritamente todas as pessoas de qualquer posição, mesmo imperial e real, ou de qualquer estado, grau, ordem ou condição, de ousar, sem sua permissão especial ou a de seus herdeiros e sucessores supramencionados, ir para fins comerciais ou qualquer outro motivo às ilhas ou continentes, encontrados e a serem encontrados, descobertos e a serem descobertos, em direção ao oeste e ao sul, traçando e estabelecendo uma linha do polo Ártico ao polo Antártico, não importando se os continentes e ilhas, encontrados e a serem encontrados, estão na direção da Índia ou em direção a qualquer outro quadrante, a referida linha deve estar distante cem léguas em direção ao oeste e ao sul, como é supracitada, de qualquer uma das ilhas comumente conhecidas como Açores e Cabo Verde; constituições e ordenanças apostólicas e outros decretos em contrário.

Confiamos naquele de quem impérios e governos e todas as coisas boas procedem, que, se vocês, com a orientação do Senhor, prosseguirem com este empreendimento santo e louvável, em pouco tempo suas dificuldades e esforços atingirão o resultado mais feliz, para a felicidade e glória de toda a cristandade. Mas, visto que seria difícil enviar estas cartas presentes para todos os lugares onde fosse desejável, queremos, e com acordo e conhecimento semelhantes decretamos, que para cópias delas, assinadas pela mão de um notário público comissionado para isso, e seladas com o selo de um oficial eclesiástico ou tribunal eclesiástico, o mesmo respeito seja mostrado no tribunal e fora dele, bem como em qualquer outro lugar, como seria dado a estes presentes, caso fossem assim exibidos ou mostrados. Portanto, que ninguém infrinja, ou com ousadia precipitada contrarie, esta nossa recomendação, exortação, requisição, doação, concessão, cessão, constituição, delegação, decreto, mandato, proibição e testamento. Se alguém presumir tentar isso, saiba que incorrerá na ira de Deus Todo-Poderoso e dos benditos apóstolos Pedro e Paulo. Dado em Roma, em São Pedro, no ano da encarnação de nosso Senhor mil quatrocentos e noventa e três, quatro de maio e o primeiro ano do nosso pontificado.


Graça por ordem do nosso mais santo senhor, o papa.

Junho. Referendado por J. Bufolinus, A. de Mucciarellis, A. Santoseverino, L. Podocatharus.



NOTA:

[1] A terceira dessas bulas, a bula Inter caetera, é reproduzida abaixo, em uma tradução para o inglês publicada em European Treaties bearing on the History of the United States and its Dependencies to 1648 por Frances Gardiner Davenport (Carnegie Institution of Washington, 1917, Washington, D.C.), nas pp. 75-78. O texto original em latim está no mesmo volume, nas pp. 72-75. Traduzido por Ewerton B. Tokashiki.

 

31 agosto 2024

O culto público deve ser preferido aos devocionais privados

O Rev. David Clarkson pregou um sermão sobre a importância do culto público. Em seus dias, semelhantes aos de hoje, muitos cristãos creem ser suficiente viver o seu cristianismo em seu lar, de modo privado, sem exercer a comunhão com outros irmãos e sem participar do culto público. Ele enumera alguns possíveis motivos:
1. Talvez por individualismo: O que realmente importa é o que eu faço por mim mesmo, ou o que Deus me diz pessoalmente. 
2. Talvez por orgulho: "Eu posso cuidar de mim mesmo espiritualmente; não preciso de pastores, presbíteros, diáconos e outros líderes cristãos".
3. Para alguns, a tentação pode estar na autopreservação: Talvez, você tenha sido gravemente ferido por outros cristãos e queira se proteger se afastando do convívio da igreja. 
4. Para outros, pode ser arrogância: Você não gosta de ser confrontado acerca dos seus pecados; seus ouvidos coçando, querem ouvir apenas coisas boas, agradáveis ​​e encorajadoras. 
5. Talvez você seja um pouco introvertido e ache exaustivo e assustador estar entre as pessoas. Até as melhores igrejas são lugares confusos e frustrantes. Se você colocar muitos pecadores — mesmo pecadores que estão sendo santificados — em um só lugar, haverá problemas. As pessoas dirão coisas insensíveis, haverá perspectivas diferentes, haverá cristãos fracos e imaturos para lidar. Seria muito mais fácil ficar em casa e evitar completamente essa situação!

E, em seguida, oferece alguns argumentos para que, além do exercício particular de devocionais, os cristãos participem dos cultos públicos:

1. O Senhor é melhor glorificado pela adoração pública do que pela privada. Deus é glorificado por nós quando reconhecemos que ele é glorioso, e ele é mais glorificado quando esse reconhecimento é público.

2. Há mais da presença do Senhor na adoração pública do que na privada. Ele está presente com seu povo no exercício da adoração pública de uma maneira especial, mais eficaz, constante e intimamente.

3. Deus se manifesta mais claramente na adoração pública do que na privada. Por exemplo, em Apocalipse, Cristo é manifesto "no meio das igrejas".

4. Há mais vantagem espiritual na realização da adoração pública. Qualquer benefício espiritual que seja encontrado em deveres privados, isso e muito mais é esperado da adoração pública quando usada corretamente.

5. A adoração pública é mais edificante do que a privada. Em privado, você provê para o seu próprio bem, mas em público você faz o bem tanto para si mesmo quanto para os outros.

6. A adoração pública é uma segurança melhor contra a apostasia do que a privada. Aquele que carece ou rejeita a adoração pública, quaisquer que sejam os meios privados que ele desfrute, está em perigo de apostasia.

7. O Senhor opera suas maiores obras na adoração pública. Entre elas a conversão, regeneração, etc., e, geralmente, são realizadas por meio dos cultos públicos.

8. A adoração pública é a semelhança mais próxima do céu. Nas representações bíblicas do céu, não há nada feito em particular, nada em segredo, pois toda a adoração dessa gloriosa comunhão é pública.

9. Os mais renomados servos de Deus preferiram a adoração pública à privada. O Senhor não se retirou das ordenanças públicas, apesar de estarem corrompidas. A adoração pública era mais preciosa para os apóstolos do que sua segurança, liberdade e vidas.

10. A adoração pública é o melhor meio para obter as maiores misericórdias, bem como prevenir e remover os maiores julgamentos.

11. O precioso sangue de Cristo está mais interessado na adoração pública. A adoração privada era exigida e realizada por Adão e sua posteridade, mesmo em um estado sem pecado, mas a pregação pública do evangelho e a administração dos sacramentos têm uma dependência necessária da morte de Cristo.

12. As promessas de Deus são dadas mais à adoração pública do que à privada. Há mais promessas à adoração pública do que à privada, e mesmo as promessas que parecem ser feitas a deveres privados são aplicáveis ​​e mais poderosas para a adoração pública.


Adaptado do site The Banner of Truth Trust acessado em 31/08/2024. 


Obs.* Obviamente o autor não está reprovando o necessário exercício dos nossos devocionais diários e particulares, mas acentuando porque eles não são suficientes, e como o culto público é superior e mais completo para nos alimentar na nossa comunhão com Deus.


Sobre David Clarkson (1622-1686). Ele nasceu em Bradford, Yorksire, onde foi batizado em 3 de março de 1622. Tornou-se membro do Conselho do Clare Hall, Cambridge, onde foi tutor de muitos alunos; também trabalhou como pastor em Martlake, Surrey, até 1662 quando foi exonerado por inconformismo. Foi, por um período, assistente de John Owen em Londres, vindo a sucedê-lo após a morte de Owen, em 1683. Ele publicou diversos livros, as suas obras escritas somam 3 volumes.

17 agosto 2024

Jonathan Edwards era um presbiteriano?

 

Filadélfia, 12 de novembro de 1838.[1]

 

Rev. e Caro Senhor

 

Lembro-me, desde a última vez que o vi, que já foi publicado o fato, que então mencionei a você em conversa; e a respeito da qual você me solicitou que lhe fornecesse uma declaração por escrito. No Christian Advocate, o décimo volume – o volume para o ano de 1832, e no No. de março daquele ano, página 128 - depois de ter mencionado uma classe de congregacionais, que, em minha opinião, eram eminentes pela piedade genuína, acrescentei o seguinte:

"Deveríamos ter colocado aqui, o nome do grande Presidente Edwards; mas ele era, em termos de sentimento, um presbiteriano decidido, e deixou um manuscrito em favor do governo da igreja presbiteriana, pois seu filho, o segundo Presidente Edwards, admitiu-nos claramente, não muito antes de sua morte, como membro do Presbitério New Brunswick, no momento da sua morte, ou teria sido em breve, se a sua lamentada morte, pouco depois de se tornar presidente do Colégio de Princeton, não tivesse sido evitada."[2]

 

A admissão referida no extrato anterior foi realizada em consequência de uma consulta feita, por mim, ao Dr. Edwards,[2] enquanto ele e eu caminhávamos juntos para o local de reunião da Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana, então em reunião nesta cidade. Não me lembro do ano. Eu tinha ouvido um relato, que creio ter vindo do meu pai ou do meu colega Dr. Sproat, ambos contemporâneos e admiradores do primeiro Presidente Edwards - que ele havia escrito um tratado, ou um ensaio, em favor do governo da igreja presbiteriana; e fiquei feliz em aproveitar a oportunidade que naquele momento se oferecia para averiguar de seu filho a veracidade ou falácia do relatório. A investigação resultou na clara admissão de que o relato que ouvi era verdadeiro.

 

Falei com o Dr. Edwards, da possibilidade de imprimir o tratado ou ensaio em questão; mas, ele não pareceu gostar da ideia e evitei pressioná-lo. Ele disse que o manuscrito mencionado estava entre vários outros artigos inéditos de seu pai, que, pelo que entendi, estavam então em suas mãos. Mas, é desconhecido para mim a cujas mãos passaram, desde a morte do Dr. Edwards.

 

Respeitosamente e carinhosamente, seu,

Ashbel Green[4] 


NOTA:

[1] A seguinte carta do Rev. Dr. Ashbel Green apareceu originalmente na The Baltimore Literary and Religious Magazine, uma publicação editada por Robert J. Breckinridge. E, posteriormente, foi reimpressa no The Presbyterian, e esse texto é aqui reproduzido.

[2] Ashbel Green, "Was Jonathan Edwards a Presbyterian?" The Presbyterian (12 de janeiro de 1839): 201.

[3] O Dr Ashebel Green refere-se ao Presidente Jonathan Edwards Jr. 

[4] Do site https://www.pcahistory.org/documents/presbyterianedwards.html acessado em 17/08/2024.


19 junho 2024

A Escritura Sagrada acima da Tradição

Vincent de Lérins [faleceu em 445 d.C.] escreveu a obra Commonitorium, c. 434, que oferece orientação no ensino ortodoxo do Cristianismo. Os católicos romanos alegam usar o tríplice critério da tradição [universitatem, antiquitatem et consensionem] que declara teneamus quod ubique, quod semper, quod ab omnibus creditum est [tenhamos o que foi sempre crido em outros locais e por todos]. Vincent de Lérins no início do Commonitorium declara que

tantas vezes tenho feito perguntas sérias e diligentes a homens notáveis ​​pela sua santidade e erudição, procurando distinguir, por alguma regra segura e, por assim dizer, universal, entre a verdade da fé católica e a falsidade da perversidade herética, eu receberia de quase todos a seguinte resposta: Se eu ou qualquer outra pessoa desejasse desmascarar as fraudes dos hereges à medida que elas surgem, e evitar suas armadilhas, e com fé saudável permanecer sãos e íntegros, nós, com a permissão do Senhor, auxiliados e fortalecidos duplamente a nossa própria fé, primeiro, é claro, isso seria pela autoridade da lei divina e, segundo, pela tradição da Igreja Católica. [Vincent of Lerins: The Commonitory in: George E. McCracken, ed., Early Medieval Theology, p. 37]

Assim, a autoridade da Bíblia, a qual ele chama de autoridade da lei divina, antecede como critério de ortodoxia cristã à tradição. Os protestantes subscrevem o critério de Vincent de Lérins, não os papistas.

30 maio 2024

As duas novidades na doutrina da eucaristia segundo a Igreja Católica Romana

           A novidade da transubstanciação

A Igreja Católica Romana crê na doutrina eucarística da transubstanciação. Isso significa que a hóstia após o ato da consagração se transforma verdadeira, real e substancialmente no corpo e sangue de Cristo. Os papistas definiram a sua doutrina no Concílio de Trento (1545-1563). Esse concílio declarou que

disse Jesus Cristo nosso Redentor, que era verdadeiramente seu corpo que o oferecia sob a espécie do pão, a igreja de Deus acreditou perpetuamente e, também, declara novamente o santo concílio que pela consagração do pão e do vinho, são convertidas: a substância total do pão no corpo de nosso Senhor, e a substância total do vinho no sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, e essa transformação é oportuna e propriamente chamada de transubstanciação pela igreja católica.[1]

Quanto à doutrina da presença real de Jesus Cristo nosso Senhor na eucaristia, o concílio decretou que

claramente, e sinceramente confessa que depois da consagração do pão e do vinho, fica contido no saudável sacramento da santa eucaristia, verdadeira, real e substancialmente nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e homem, sob as espécies daqueles materiais sensíveis, pois não existe com efeito, incompatibilidade que o mesmo Cristo nosso salvador esteja sempre sentado, no céu, à direita do Pai, segundo o modo natural de existir e que ao mesmo tempo nos assista sacramentalmente com Sua presença, e em sua própria substância em outros lugares, com existência que ainda que apenas o possamos expressar com palavras, poderemos, não obstante, alcançar com nosso pensamento ilustrado pela fé, que é possível a Deus, e devemos firmemente acreditar. Assim pois, professaram clarissimamente todos os nossos antepassados que viveram a verdadeira Igreja de Cristo, e trataram deste santíssimo e admirável sacramento, a saber: que nosso Redentor o instituiu na última ceia, quando depois de ter benzido o pão e o vinho, atestou a seus apóstolos, com claras e enérgicas palavras que lhes dava seu próprio corpo e seu próprio sangue. E sendo fato consumado que as ditas palavras mencionadas pelos mesmos santos evangelistas e repetidas depois pelo apóstolo são Paulo, incluem em si mesmas aquele próprio e patentíssimo significado, segundo as entenderam os santos pais, é sem dúvida execrável a maldade com que certos homens pretensiosos e corruptos as distorcem, violentam e tentam explicar em sentido figurado, fictício ou imaginário, negando a realidade da carne e sangue de Jesus Cristo contra a inteligência unânime da Igreja, que sendo coluna e apoio da verdade, sempre detestou por serem diabólicas estas ficções expressas por homens ímpios e sempre conservou indelével a memória e gratidão deste tão sobressalente benefício que nos fez Jesus Cristo.[2]

A novidade de dar apenas a hóstia

O rito papista prescreve que somente a hóstia seja dada aos participantes.[3]  O Concílio de Trento, na sessão XXI, realizada sob o papado de Pio IV, em 16 de julho de 1562, ratificou a decisão do Concílio de Constança, declarando que

tendo presente o sacrossanto, ecumênico e geral Concílio de Trento, reunido legitimamente no Espírito Santo e presidido pelos mesmos legados da Sé Apostólica, os vários e monstruosos erros que pelos malignos artifícios do demônio aparecem em diversos lugares acerca do imenso e santíssimo sacramento da eucaristia, pelos quais, parece que em algumas províncias, muitos se apartaram da fé e obediência à Igreja Católica, teve por bem expor agora a doutrina respectiva da comunhão em ambas as espécies e a comunhão das crianças. [...] Em continuidade, o mesmo Santo concílio, ensinado pelo Espírito Santo, que é o Espírito de sabedoria, inteligência, conselho e piedade, e seguindo o ditame do costume da Igreja, declara e ensina que os leigos e os clérigos que não celebram a missa, não estão obrigados, por preceito divino algum, a receber o sacramento da eucaristia sob as duas espécies, e que não cabe, absolutamente, dúvida nenhuma, sem faltar à fé, que lhes basta, para conseguir a salvação, a comunhão de apenas uma das espécies. Pois, ainda que Cristo, nosso Senhor, tenha instituído na última ceia este venerável sacramento nas espécies do pão e do vinho, e o tenha dado a seus apóstolos, sem dúvida, não tem por finalidade aquela instituição e comunhão estabelecer a obrigação de que todos os fiéis cristãos devam receber devido a esse estabelecimento de Jesus Cristo, uma e outra espécie. [...] Portanto, reconhecendo a santa mãe igreja essa autoridade que tem na administração dos sacramentos, mesmo tendo sido frequente o uso de comungar sob as duas espécies, desde o princípio da religião cristã, porém verificando, em muitos lugares, com o passar do tempo, a mudança nesse costume, aprovou, movida por muitas graves e justas causas, a comunhão sob uma só espécie, decretando que isso fosse observado como lei, a qual não é permitido mudar ou reprovar arbitrariamente sem a autorização expressa da igreja. [...] Declara o santo concílio depois disto, que ainda que nosso Redentor, como já disse antes, instituiu na última ceia este Sacramento nas duas espécies, e o deu a seus apóstolos, se deve confessar, porém, que também se recebe em cada uma única espécie a Cristo todo e inteiro e verdadeiro sacramento. E, que, por conseguinte, as pessoas que recebem uma única espécie, não ficam prejudicadas a respeito do fruto de nenhuma graça necessária para conseguir a salvação.[4]

 A igreja romana ratificou em seus concílios posteriores a sua compreensão dogmática acerca da eucaristia. Nenhuma mudança significativa ocorreu nos concílios Vaticano e Vaticano II que mereça referência.

         Todos os reformadores rejeitaram a doutrina papista. Eles foram unânimes em reprovar o ensino da Igreja Romana, pois não encontraram nela fundamento bíblico, nem respaldo na própria tradição da igreja e ainda porque ela resulta em superstição. O dogma eucarístico nem sempre foi ensinado pelo critério adotado pelos próprios papistas, pois segundo a regra proposta por Vicent de Lérins[5] um dogma é estabelecido se teneamus quod ubique, quod semper, quod ab omnibus creditum est,[6] não consegue ser provada no caso desta doutrina. O tríplice critério universitatem, antiquitatem, consensionem reprova a transubstanciação, porque antes do Concílio de Trento não havia universalidade, antiguidade nem consenso quanto ao ensino desta doutrina no cristianismo ocidental até o século XII e continuou sendo questionada até o século XVI.[7] Assim, a Igreja Romana ensina e pratica uma novidade eucaristica que não era aceita universalmente no final da Idade Média e que somente foi dogmatizada num concílio de Contrarreforma.

 

Notas:

[1] Canones et Decretal Dogmatica Concilii Tridentini in: Philip Schaff, ed., The Creeds Christendom – with a history and critical notes, vol. 2, p. 130. Thomas A. Baima comenta que “os teólogos católicos explicam a conversão por meio de um tecnicismo chamado adução. Adução significa que Cristo vem ao sacramento sem deixar o céu, e sua presença se faz efetiva em milhares de lugares. Esta explicação responde a um número de objeções à doutrina da transubstanciação. Isso é muito importante para a compreensão católica do sacramento. Um sacramento é um sinal que dá lugar ao que significa. Isso significa que os acidentes não são acidentais. O sinal de comer e beber – sinais de alimentação – e a unidade dos elementos com nossos corpos dá lugar ao significado: o alimento espiritual e a unidade com Cristo”. Thomas A. Baima, “El punto de vista católico romano” in: John H. Armstrong, ed., Cuatro puntos de vista sobre la santa cena, p. 129.

[2] Canones et Decretal Dogmatica Concilii Tridentini in: Philip Schaff, ed., The Creeds Christendom – with a history and critical notes, vol. 2, pp. 126-127. Ludwig Ott observa que “as três expressões veré, realiter, substantialiter são dirigidas especialmente contra as teorias de Zwingli, Oecolampadio e Calvino, e excluem todas as interpretações metafóricas que pudessem ser dadas às palavras da instituição.” Ludwig Ott, Manual de Teología Dogmática, p. 555.

[3] A decisão ocorreu no Concílio de Constança, que é o 16º ecumênico, de 5 novembro de 1414 a 22 abril de 1418, na sessão 13ª, de 15 junho de 1415, no Decreto Cum in nonnullis, confirmado pelo Papa Martinho V, em 1 setembro de 1425. Este decreto é repetido nas constituições de In eminentis de 1 setembro de 1425 (BarAE, ao ano de 1425, n. 18 / Theiner 28,27) e Apostolicae sedis praecellens de 25 de janeiro de 1426, declarando que “em algumas partes do mundo, alguns ousam temerariamente afirmar que o povo cristão deve receber o santo sacramento da Eucaristia sob as duas espécies do pão e do vinho e fazem comungar em geral a assembleia dos leigos não só com a espécie do pão, mas também com a do vinho, inclusive depois da refeição ou doutro modo sem jejum. Eles sustentam obstinadamente que este é o modo de se comungar, opondo-se ao louvável costume da Igreja, justificado também racionalmente, que de modo condenável procuram reprovar como sacrílego: por isso, este Concílio … declara, decreta e define que, se bem que Cristo tenha instituído e administrado depois da refeição aos apóstolos este venerando sacramento sob ambas as espécies do pão do vinho, não obstante isso, a admirável autoridade dos sagrados cânones e o autorizado costume da Igreja têm declarado e declaram que este sacramento não deve ser administrado depois da refeição nem a fiéis que não estão em jejum, salvo no caso de doença ou de outra necessidade, concedido ou admitido pelo direito ou pela Igreja. E como este costume foi introduzido, com razão, para evitar perigos e escândalos, com análoga ou maior razão foi introduzido e observado este outro: se bem que na Igreja primitiva este sacramento era recebido pelos fiéis sob ambas as espécies, mais tarde, porém, era recebido pelos consagrantes sob ambas as espécies, mas pelos leigos somente sob a espécie do pão, pois é preciso crer com toda a firmeza e sem sombra de dúvida que o corpo e o sangue de Cristo estão verdadeiramente contidos, na sua integridade, tanto sob a espécie do pão, como sob a do vinho. Portanto, visto que foi introduzido com boa razão pela Igreja e pelos santos Padres e observada durante muitíssimo tempo, este costume deve ser considerado como uma lei que não pode ser reprovada nem modificada arbitrariamente, sem o consentimento da Igreja. É errôneo sustentar que a observância deste costume ou lei é sacrílega ou ilícita; e os que se obstinam em sustentar o contrário devem ser tratados como hereges ...”. Heinrich Denzinger & Petrus Hünermann, Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral, pp. 347-348. A igreja oriental, em distinção da igreja romana, distribui ambos os elementos a todos os participantes na realização da eucaristia. Veja E.H. Klotsche, Christian Symbolic, p. 47.

[4] Canones et Decretal Dogmatica Concilii Tridentini in: Philip Schaff, The Creeds of Christendom - with a history and critical notes, vol. 2, pp. 170-176.

[5] Ele faleceu em 445 d.C..

[6] Ou seja: asseguremos que seja crido em outros locais, sempre e por todos. Reginald Stewart Moxon, ed., The Commonitorium of Vincentius of Lerins, p. xxxii.

[7] O teólogo romano Ludwig Ott explica que “a palavra transsubstantiatio, resp. transsubstantiare, foi criada pela teologia do século XII (Mestre Rolando [que mais tarde foi papa com o nome de Alexandre III] até 1150, Estevan de Tournai até 1160, Pedro Comestor 1160-1170), e é usada oficialmente pela vez primeira em um decreto (1202) de Inocêncio III e no Caput Firmiter do Concílio IV de Latrão.” Ludwig Ott, Manual de Teología Dogmática, p. 562. A transubstanciação somente foi aprovada definitivamente no Concílio de Trento, na sessão XIII, realizada sob o papado de Júlio III, em 11 de outubro de 1551. Bem como é recente o rito em que ambos os elementos, pão e vinho, são comidos pelo clero, enquanto o fiel católico comum recebe apenas a hóstia. Esta prática é estranha ao cristianismo oriental e outros grupos cristãos no mundo, tendo iniciado pela igreja ocidental no século XV, e sendo rejeitada pelos pré-reformadores e reformadores.


24 maio 2024

Esposas de Presbíteros por Iver Martin

 

Não deveria ser surpresa que as esposas dos líderes da igreja recebam tal destaque em 1Tm 3. Quando o Senhor chama um homem para a liderança, Ele chama sua esposa para acompanhá-lo e apoiá-lo. O papel de “auxiliadora” em Gn 2.20 pressupõe uma tarefa para a qual o homem precisa de assistência. Ele não pode fazê-lo sozinho; portanto, Deus providencia uma companheira humana perfeita. As habilidades dela não são as mesmas que as dele, mas ela será parte do que ele precisa para cumprir a missão que Deus lhe deu. É evidente, a partir de 1Tm 3.11, que esse duo “complementarista” se manifesta na igreja, onde, ao compartilhar com sua esposa, um presbítero pode se beneficiar de uma perspectiva mais detalhada que seria tolice desprezar. Ele pode deixá-la quando vai a uma reunião de presbíteros, mas, na maior parte do tempo, enquanto cumpre suas responsabilidades regulares, ela está ao seu lado desempenhando um papel vital. Deus uniu presbíteros e diáconos a esposas que os complementam em caráter e dons.

Se assumirmos, por boa e necessária consequência, que as virtudes femininas listadas em 1Tm 3.11 se aplicam tanto às esposas dos presbíteros quanto às dos diáconos, as qualidades buscadas devem ser idênticas em ambos os grupos de esposas. A mesma passagem-chave também revela que as qualidades combinadas requeridas em presbíteros, diáconos e suas esposas são notavelmente semelhantes. Em vez de dissecar cada atributo conforme é atribuído ao presbítero, diácono ou esposa respectiva, talvez uma perspectiva mais holística de 1Tm 3 seja o reconhecimento de um grande e glorioso quadro da “casa de Deus”, supervisionada por um grupo de homens escolhidos, juntamente com suas esposas, para servir em um cuidado pastoral contínuo e natural. A solteirice não é impedimento para o presbiterato (na verdade, em algumas circunstâncias, é uma vantagem); no entanto, em geral, “melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho” (Ec 4.9).

As qualidades delas podem ser detalhadas em quatro descrições: “respeitáveis, não maldizentes, temperantes e fiéis em tudo” (1Tm 3.11). A respeitabilidade esperada de uma esposa de presbítero não é menor do que a esperada de seu marido: ambas devem ser exemplos de maturidade no Senhor, conduzindo-se de maneira paciente e cristã. Tal comportamento é mais evidente em momentos de tensão, quando há a tentação de reagir impulsivamente. O comportamento consistente dos oficiais e de suas esposas muitas vezes fará a diferença entre unidade e desintegração, paz ou inquietação.

O presbítero e sua esposa também serão discretos, “não maldizentes” (1Tm 3.11), o que obviamente significa que suas palavras são de extrema importância. É sempre sóbrio lembrar que uma conversa impensada ou um boato ocioso pode significar a diferença entre unidade ou ruína. O dano que pode ser causado até mesmo à comunidade mais vibrante por um comentário descuidado é incalculável. À medida que os presbíteros e suas esposas interagem com outros, a discrição significa o discernimento para saber o que falar, quando falar e quando ficar em silêncio.

Devido à sua posição na igreja, um presbítero ocasionalmente terá acesso a informações sensíveis. A questão da confidencialidade é complexa e deve ser abordada através da política dos presbíteros, discernimento prudente e bom senso piedoso. Há, é claro, situações extremamente delicadas que é preferível não compartilhar, mas essas devem ser óbvias, e uma esposa perspicaz ficará satisfeita em não ser informada sobre o que é considerado imprudente divulgar.

Felizmente, tais situações são raras. Na prática, problemas potencialmente difíceis normalmente podem ser resolvidos antecipadamente através da interação natural, enquanto a liderança, com o apoio de suas esposas, encara seriamente a responsabilidade de oferecer um cuidado pastoral significativo, sendo um modelo visível de casamento cristão consistente. A disciplina eclesiástica saudável não começa quando acusações são formalizadas, mas acontece de forma natural e regular durante almoços e cafés, onde palavras sábias podem fazer a diferença entre cura e dano, crescimento e retrocesso. Nessas situações preventivas, a contribuição única das esposas é absolutamente indispensável.

As esposas também são chamadas, juntamente com seus maridos (1Tm 3.3), a serem “sóbrias”. Essa qualidade descreve um estado de mente claro e equilibrado, especialmente em desafios imprevistos e difíceis, onde um equilíbrio crucial precisa ser alcançado pelo encontro de duas perspectivas. As esposas muitas vezes podem oferecer a avaliação objetiva e equilibrada que é vital para um discernimento “sóbrio”.

Da mesma forma, uma esposa que demonstra “fidelidade em tudo” compartilhará ativamente a visão pastoral de seu marido para a igreja e sua genuína e profunda preocupação com as pessoas em sua comunidade. Juntos, eles proporcionarão a estabilidade e a confiabilidade necessárias para manter o foco na centralidade da igreja e no que ela representa.

Nas complexidades da igreja contemporânea, a sabedoria combinada de um marido e esposa, geralmente, é essencial para fornecer conselhos equilibrados, especialmente em questões relacionais. Embora os homens sejam designados para “ofícios” específicos de liderança, seria um homem tolo aquele que não ouvisse atentamente a sabedoria da esposa piedosa que Deus lhe deu como parceira na obra do evangelho.

Finalmente, é importante lembrar que as esposas, frequentemente, suportam as tensões indiretas que inevitavelmente surgem das dificuldades relacionadas à liderança da igreja. Além disso, independentemente dos sacrifícios exigidos daqueles no ministério, as esposas, muitas vezes, estão dispostas a fazer sacrifícios ainda maiores, colocando de lado seus próprios interesses e confortos para apoiar seus maridos. Deus vê sua firmeza e paciência e lhes assegura que seu trabalho não é em vão no Senhor.

 

Sobre o autor: Pb. Iver Martin é diretor do Edinburgh Theological Seminary, na Escócia, e atua como presbítero regente na Igreja de Esk Valley, em Midlothian, Escócia.

Traduzido por Pb. Caio Jorge, presbítero na 4ª IPB de Boa Vista – RR.

Revisado por Pr Ewerton B. Tokashiki

Texto de https://tabletalkmagazine.com/article/2021/02/wives-of-elders/

27 abril 2024

5 Razões para obedecer aos Dez Mandamentos

por Kevin DeYoung

 

Os dez mandamentos não devem ser ignorados. É importante que os estudemos e compreendamos. Mas, é claro, é mais importante que nós os obedeçamos. Deus não fica impressionado com uma análise intelectualmente cuidadosa que coloca o Decálogo no centro do discipulado cristão. Ele requer que os discípulos realmente sigam esses mandamentos.

Mas que seja pelas razões corretas. É necessário muito esforço para obedecer aos Dez Mandamentos da motivação errada e para o fim errado é uma maneira infalível de viver nosso relacionamento com Deus de maneira errada. Deus deu os mandamentos para que eles fossem obedecidos - não para se obter a salvação, mas por causa de quem somos, quem é Deus em si mesmo, quem ele é para nós, onde estamos e o que ele fez.

 

Razão 1: Quem somos

Não perca o óbvio: Êxodo 19 vem antes de Êxodo 20. Deus já identificou os israelitas como "um reino de sacerdotes e uma nação santa" (Êx 19.6). Eles são um povo separado. Isso também é verdade a nosso respeito. Como cristãos, nós também somos um reino de sacerdotes e uma nação santa (1Pe 2.9). Precisamos estar preparados para ficarmos sozinhos, para parecermos diferente e termos regras que o mundo não entende. Claro, nem sempre somos as pessoas santas que deveríamos ser, mas é o que ele nos chamou para que sejamos. É quem somos. Somos o povo de Deus, separados para viver de acordo com os caminhos de Deus.

 

Razão 2: Quem é Deus em si mesmo

Os versículos de abertura em Êxodo 20 não são apenas um preenchimento antes que os mandamentos comecem serem declarados. Eles estabelecem quem é Deus e por que devemos obedecê-lo. No verso 2, Deus se revela novamente como “o SENHOR”, isto é, como o SENHOR, seu Deus que guarda a aliança. Este é o Deus que falou com Moisés na sarça ardente. Este é o Deus que disse: "Eu sou quem Eu sou" (Êxodo 3:14). Este é o Deus criador soberano, autoexistente, autossuficiente e todo-poderoso. Este é o Deus das pragas e do Mar Vermelho e do maná no deserto. Este não é um Deus com quem se pode brincar. Se existe um Deus, e se ele é algo como o Deus revelado a nós nas Escrituras, então seria extremamente presunçoso, tolo e (por todas as razões) perigoso para nós sintetizar o nosso próprio código ético.

A lei é uma expressão do coração e do caráter do Legislador. Devemos pensar sobre isso antes de dizermos: "Não me importo com as leis" ou antes de sermos ríspidos com a ideia de "cumpri-las" ou "não". Os mandamentos não apenas nos mostram o que Deus quer; eles nos mostram como Deus é. Eles dizem algo sobre a sua honra, o seu valor e a sua majestade. Eles nos dizem o que importa para Deus. Não podemos desdenhar a lei sem desrespeitar o Legislador.

 

Razão 3: Quem é Deus para nós

O Deus dos Dez Mandamentos é revelado não apenas como o Senhor, mas como o "Senhor seu Deus" (Êx 20.2). Somos sua possessão preciosa (Êx 19.5; 1Pe 2.9). Este Deus de poder absoluto não é um tirano caprichoso, nem uma deidade excêntrica que exerce autoridade crua e desenfreada sem qualquer consideração por suas criaturas. Ele é um Deus pessoal e, em Cristo, ele sempre é a nosso favor (Rm 8.31). Seria assustador até o ponto da morte, se Deus trovejasse dos céus: "Eu sou o Senhor!" Mas a autorrevelação divina não para por aí. Ele continua acrescentando: “... seu Deus.” Ele está do nosso lado. Ele é o nosso Pai. Ele nos dá ordens para o nosso bem.

 

Razão 4: Onde estamos

A definição bíblica de liberdade não é “fazer o que você quiser”. A liberdade está em aproveitar os benefícios de fazermos o que devemos. Muitas vezes pensamos que os Dez Mandamentos nos restringem - como se os caminhos de Deus nos mantivessem em servidão de realizarmos os nossos sonhos e alcançarmos o nosso potencial. Esquecemos que Deus significa nos dar vida abundante (Jo 10.10) e verdadeira liberdade (Jo 8.32). As suas leis, 1Jo 5.3 nos diz que, não são pesadas.

Você acha que é pesaroso ter Dez Mandamentos? Você sabe quantas leis existem nos Estados Unidos? É uma pergunta complicada, porque ninguém sabe! Existem 20.000 leis nos livros que regulam apenas a posse de armas. Em 2010, cerca de 40.000 novas leis foram adicionadas em vários níveis em todo o país. O Código dos Estados Unidos, que contém apenas os princípios teóricos de leis federais e não inclui estatutos reguladores, tem mais de 50 volumes. Em 2008, um comitê da Câmara pediu ao Serviço de Pesquisa do Congresso para calcular o número de infrações penais na lei federal. Eles responderam, cinco anos depois, que lhes faltavam recursos humanos e recursos para responder a essa pergunta.

            Deus não está tentando nos esmagar com burocracia e regulamentos. Os Dez Mandamentos não são barras de prisão, mas leis de trânsito. Talvez existam alguns anarquistas que pensam: o mundo seria um lugar melhor sem nenhuma lei de trânsito. Mesmo que você fique impaciente no sinal vermelho, acelere no amarelo e vire numa curva proibida- no fim das contas, você não se alegra de haver alguma aparência de lei e ordem? As pessoas param e vão. As pessoas diminuem a velocidade ao dirigir próximo das escolas. Eles param para os ônibus escolares. Você não seria capaz de dirigir seu carro até o supermercado sem leis. Quando você dirige em uma curva ao passar por uma montanha, você amaldiçoa os trilhos de guarda que o impedem de mergulhar para uma morte prematura? Não, alguém os coloca lá com grande despesa, e para nosso bem, para que possamos viajar livremente e com segurança.

Os Dez Mandamentos não são instruções sobre como sair do Egito. Eles são regras para um povo livre permanecer livre.

 

Razão 5: O que ele fez

Note mais uma vez que a lei vem depois do evangelho - depois das boas novas de libertação. Deus não veio ao povo, como escravos, e disse: “Eu tenho Dez Mandamentos. Eu quero que vocês façam tudo certo. Eu voltarei em cinco anos, e se vocês purificaram a sua vida, eu os libertarei do Egito.” É assim que algumas pessoas veem o Cristianismo: Deus tem regras, e se eu seguir as regras, Deus vai me amar e salvar. Não foi o que aconteceu na história do êxodo. Os israelitas eram um povo oprimido e Deus disse: “Eu ouço o seu clamor. Vou salvá-los porque eu os amo. E quando forem salvos, livres e perdoados, lhes darei uma nova maneira de viver.

            Precisamos ouvir isso novamente: a salvação não é a recompensa pela obediência; a salvação é a razão da obediência. Jesus não diz: "Se obedecerem aos meus mandamentos, eu os amarei". Primeiro, ele lava os pés dos discípulos e diz: "Se vocês me amam, guardarão os meus mandamentos" (Jo 14.15). Todo o nosso cumprir é apenas por causa do que ele primeiro fez por nós.

  

https://www.thegospelcoalition.org/blogs/kevin-deyoung/five-reasons-obey-ten-commandments/

Traduzido por Ewerton B. Tokashiki


23 março 2024

Marxismo é uma religião secular


"Marx retoma e prolonga um dos grandes mitos escatológicos do mundo asiático mediterrânico, a saber, o papel redentor do justo (o “eleito”, o “ungido”, o “inocente”, o “mensageiro”; nos nossos dias, o proletariado), cujos sofrimentos são chamados a mudar o estatuto ontológico do mundo. Com efeito, a sociedade sem classes de Marx e a consequente desaparição das tensões históricas encontram seu precedente mais exato no mito da Idade do Ouro, que, segundo múltiplas tradições, caracteriza o começo e o fim da História. Marx enriqueceu este mito venerável de toda uma ideologia messiânica judaico-cristã: por um lado, o papel profético e a função soteriológica que ele atribuiu ao proletariado; por outro, a luta final entre o Bem e o Mal, que pode aproximar-se facilmente do conflito apocalíptico entre o Cristo e o Anticristo, seguido da vitória decisiva do primeiro. É até significativo que Marx resgata, por sua conta, a esperança escatológica judaico-cristã de um fim absoluto da História; distingue-se nisso dos outros filósofos historicistas (por exemplo Croce e Ortega y Gasset), para quem as tensões da história são consubstanciais à condição humana e, portanto, jamais poderão ser completamente abolidas."

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ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: A Essência das Religiões (São Paulo: Martins Fontes, 2001), p. 99.

20 março 2024

O que Marx escondeu?

 por Ralph Buultjens

Em 14 de março de 1883, Karl Marx morreu em Londres. Hoje, um século depois, o homem e as suas ideias continuam a despertar paixões intensas. Para os verdadeiros crédulos, Marx é o pai messiânico dos conceitos científicos de socialismo chamados marxismo ou comunismo. Para muitos outros, ele é o profeta de uma doutrina insidiosa de conflito de classes, revolução e igualitarismo econômico. Tanto os proponentes como os opositores reconhecem a sua importância e o impacto da sua filosofia na nossa era.

O foco da maior parte da defesa e do antagonismo tem sido nas ideias de Marx. Houve uma cascata de biografias descrevendo sua vida e sua época, mas todo esse esforço e análise revela bem pouco sobre seu lado humano. Assombrado pela pobreza e por um irascível, mas gentil e amoroso pai, ele era um personagem paradoxal e atormentado. Ele era um pensador seminal e um homem pouco prático, buscando ansiosamente reconhecimento em um mundo que para ele parecia não ser afetado por suas teorias.

Grande parte do seu tormento – tensões que possivelmente afetaram o seu trabalho – estava alojada numa parte da sua vida que Marx procurava desesperadamente esconder. Ainda hoje, este segredo, que ele escondeu com sucesso durante a sua vida, não é muito conhecido. Em 1851, enquanto vivia em Londres, Marx teve um filho ilegítimo com Helen Demuth, a empregada de longa data da família. Temendo que esta indiscrição destruísse o seu casamento e prejudicasse a sua imagem pública, ele organizou um eficiente encobrimento, cujos participantes foram o amigo e colaborador de Marx, Friedrich Engels e Helen Demuth.

Engels fingiu ser o pai e a senhorita Demuth confirmou o engano. A criança, Fredrick Demuth, foi entregue para ser criada por uma família da classe trabalhadora em Londres. O segredo foi preservado por mais de quatro décadas. Em 1895, no seu leito de morte, Engels confessou a Eleanor Marx – uma das duas filhas sobreviventes de Marx. Ela ficou arrasada com a revelação. Três anos depois, ela suicidou. Em 1911, a outra filha de Marx, Laura, também cometeu suicídio. Freddy Demuth cresceu como uma criança abandonada e solitária. Marx não podia pagar nenhum apoio. Engels, de quem Marx dependia financeiramente, enviava remessas pequenas e pouco frequentes. Tanto Marx quanto Engels se distanciaram de Freddy. Marx nunca viu o menino. Freddy Demuth recebeu uma educação com pobreza. 

Durante a maior parte de sua vida, ele trabalhou como operário e fabricante de ferramentas. Após a morte de Marx, ele estabeleceu um contato mais próximo com sua mãe, que então se tornara governanta de Engels. Freddy a visitava semanalmente, mas só podia entrar na cozinha e nos quartos dos empregados pela porta dos fundos. Engels, tal como Marx, evitou-o. Após a morte de sua mãe em 1890, Freddy quase nunca via Engels.

Nem Marx nem Engels lhe forneceram uma herança. No entanto, as filhas de Marx deram a Freddy algum dinheiro de sua parte em ambas as propriedades. Em 1929, depois de uma vida difícil e obscura, Freddy morreu aos 78 anos em uma área pobre de Londres. Ninguém, nem mesmo sua mãe, lhe contou a verdade sobre sua paternidade e ele morreu acreditando ser um filho bastardo de Engels.

O segredo de Marx estava bem guardado. Durante a sua vida, apenas Helen e Engels partilharam desta confidência. Após sua morte, eles examinaram seus documentos para eliminar referências a Freddy. Mais tarde, na época da morte de Engels, alguns associados e familiares souberam do caso Demuth, mas o assunto não foi muito discutido. Ao pesquisar esta parte da vida de Marx, uma parte que contém muitas pistas para o desenvolvimento das suas ideias, convenci-me de que muitos marxistas construíram um muro de silêncio em torno deste segredo. Nenhum grande material biográfico soviético sobre Marx menciona Freddy. Outros marxistas consideram isso uma fofoca irrelevante. É claro que para o mundo marxista Fredrick Demuth não existiu, ou que o assunto é tabu. A heróica imagem proletária do pai da revolução não deve ser manchada pela evidência de sua duplicidade, hipocrisia e fragilidade.

O episódio nos mostra quão essencialmente humano era Marx. Ele tinha os mesmos medos, desesperos e culpas que afligiam outros cidadãos comuns da Grã-Bretanha vitoriana. Estes traumas e o seu impacto na sua vida e no seu pensamento sugerem que a interpretação estritamente econômica da história feita por Marx é um instrumento insuficiente para explicar a motivação humana e a evolução da sociedade. A sua vida confundiu suas teorias. Esta ironia não teria passado despercebida ao muitíssimo inteligente Marx, e talvez seja por isso que o seu trabalho parece incompleto e inconclusivo.

A estatura de Marx justifica a comemoração da sua morte. Mas, ao fazê-lo, devemos lembrar-nos do homem como um todo, da sua humanidade, da sua vulnerabilidade - e não abstrair ou suprimir segmentos da sua vida para se adequar à nossa própria mitologia.

 

Ralph Buultjens  é autor do livro ''The Deadly Secret of Karl Marx.''

Fonte: https://www.nytimes.com/1983/03/14/opinion/what-marx-hid.html acessado em 20/03/2024.